HERE IS THE PLACE ⬤ Diogo Melo

HERE IS THE PLACE ⬤ Diogo Melo
Gaivotas Em Terra

por Maria João Petrucci

disseminário
HERE IS THE PLACE Diogo Melo
22 – 24 Setembro 2021

 

– o filme –

Há uns anos atrás. Em 2012 No ano de 2012 Algures no ano de 2012, Num dia em 2012, acordei Na primavera de 2012 acordei para ir ver um filme. O filme intitulava-se L[1], de um do realizador grego Babis Makridis, E nunca mais me esqueci do início do filme e de uma das cenas iniciais e no início do filme existe uma cena que nunca mais esqueci: o protagonista que conduz um homem a conduzir o seu um carro com a filha e filho que continua a dar dando voltas a uma rotunda sem parar, acompanhado pelo início da Sonata para Piano No. 14[2] de Ludwig van Beethoven. O que me fez não esquecer esta cena? A crueza da versão da Sonata é o que fez-me não esquecer esta cena ainda me faz lembrar esta cena. Não era uma versão qualquer, daquelas que ouvimos no Youtube ou no Spotify, limpa, preparada, para sala de concerto e com qualidade na gravação. Era uma versão de estudo num piano pouco afinado, uma versão mais lenta, com falhas, enganos erros, repetições, tudo gravado tosco e caseiramente numa cassete de áudio.

– a performance –

Mesmo no início do outono de 2021, após uma cerveja no café, levantei-me para ir ver uma performance. A performance HERE IS THE PLACE de Diogo Melo fez-me lembrar dessa transportou-me imediatamente para aquela cena do filme grego e aquelas notas mal tocadas. daquela incerteza Daquele som incerto que normalmente esperadamente se esconde e se guarda do escondemos e queremos guardar connosco num lugar bem fundo. Contrariamente ao previsto, este processo de aprendizagem é exposto, é mostrado, é obra. Há algo de muito sensível familiar e poético na partilha do momento de estudo deste momento. Tal como noutra referência evidente que acontece do no filme Sonata de Outono[3] realizado por Ingmar Bergman: a cena em que a personagem interpretada por Liv Ullmann (Eva) mostra à mãe interpretada Eva (Liv Ullmann) mostra à mãe (Ingrid Bergman) um dos prelúdios de F. Chopin[4] que tem estudado. O ambiente é intenso e vulnerável. Sempre. A tensão das personagens paira entre o nervosismo a delicadeza e o constrangimento da expectativa de uma música brilhantemente interpretada.

– o método –

Inicialmente Na primeira hora da performance, observei com atenção para ver os movimentos. calei-me para ver com atenção. É preciso tempo para aprender. Para aprender a música escolhida[5] foi desenvolvido um método. Um método próprio, de si para si, e neste caso, apresentado às/aos outras/os, às/aos espectadoras/es. a quem quis assistir. Como Um método rigoroso, quase matemático, com tarefas por cumprir. Só avança para o próximo passo-compasso quando a tarefa é terminada com sucesso. Daí as anotações na parede, as escritas + e -, os vistos, os marcadores coloridos e os marcadores de tempo. Estudo por passos e também por compassos. Fazendo-me lembrar os compassos mágicos de Terry Riley em In C[6], onde o enunciado de compassos vai-se repetindo onde o exercício da repetição se cruza com o enunciado de compassos e se transforma em obra. Cada trecho é repetido, seguindo uma ordem, até completar o enunciado. Dentro de um exercício tão comedido minimal, o que o torna tão especial é o caos entre a repetição e a quantidade de vezes que cada intérprete decide repetir. a beleza é deixada ao acaso do tempo. a harmonia nasce da combinação repetição quase traumática que, por sua vez, se torna terapêutica. E para a equação desta magia entra o tempo. O tempo de cada uma/um.

– o corpo –

Absorvida pelo som das infinitas tentativas Absorvida pela repetição dos sons, fechei os olhos para ver o tempo passar. Em HERE IS THE PLACE, o erro no processo de aprendizagem é assumido. A frustração, a insistência e a chatice ganham o seu devido espaço. Ganham tempo e ganham corpo. A passagem do tempo tem muito de corpóreo. Basta observar Nesta performance, o corpo do piano, por exemplo: instrumento é usado, explorado que já foi muito tocado, e por isso o ouvimos desafinado, que é um instrumento estudo. vemos quanto espaço ocupa na sala, sentimos o som das suas teclas usadas, exploradas e desafinadas até. O corpo da artista Jasmin Schaitl na performance untitled with thread #01[7] é usado como meio de medição. O que resulta desta contagem através do corpo é a transformação-manipulação de uma linha de tecido, que inicialmente passa de uma reta para um círculo que uma vez estendida, em linha reta, passa a ser apresentada em círculo. Neste exercício da artista a linha é símbolo da ocupação de um corpo no espaço e no tempo num determinado tempo e num determinado espaço. Tal como as linhas das anotações na parede e das partituras das músicas tocadas em HERE IS THE PLACE.

– a memória –

Decidi abandonar a performance quando só conseguia lembrar da quantidade de vezes que errei uma música é mil vezes superior às vezes que toquei uma música não conseguia deixar largar a memória da criança que fui quando estudava músicas na flauta transversal sem acertar um único compasso. Quando saí da performance apercebi-me que entrei de dia e saí de noite.

 

Notas:

[1] L. Realização de Babis. Atenas, Grécia: Beben Films. 2012. (83 min.)

[2] Sonata Nº 14 em Dó Sustenido Menor, “Sonata ao Luar”, 27, N.º 2. Composição de Ludwig van Beethoven. 1801.

[3] Sonata de Outono. Realização de Ingmar. Suécia, Alemanha, França: Personafilm Gmb. 1978. (99 min.)

[5] Prelúdio 28, Nº 2 em Lá Menor. Composição de Frédéric Chopin. Originalmente publicado em 1839.

[6] A performance HERE IS THE PLACE foi apresentada em três dias diferentes e para cada dia, o performer escolheu uma música diferente para estudar a sua interpretação. As músicas escolhidas foram: Merry Christmas Mr Lawrence de Ryuichi Sakamoto, Etude 1 de Philip Glass, India Song de Carlos d’Alessio

[7] In C. Composição de Terry Riley. 1964

[8] untitled with thread #01. Solo performance de Jasmin Schaiti. 2015-2016. (180 min.) – link: https://jasminschaitl.com/portfolio/solo-performances/

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