Viver numa casa como as Gaivotas 6, que acolhe sonhos urgentes e os concretiza em performances, exposições e outras partilhas entre estranhos, é como cuidar de um lar que recebe com regularidade novos – e até então desconhecidos – familiares. Numa casa como esta, podemos descobrir sempre mais uma origem para o que fazemos, mais uma tradição que há muito não praticamos, mas que está, por certo, no começo do que ainda está por vir; aprender múltiplas abordagens e até tirar inesperadas conclusões para osm esmos problemas de sempre.
Numa casa como esta podemos encontrar muitas respostas inusitadas para questões que ainda não sabemos colocar, mas também podemos viver numa montanha-russa de sugestões que nunca pousam nem chegam ao seu destino.Em tempos que correm, é fácil viver como se estivéssemos sempre em viagem, numa mesma carruagem, em perpétuo andamento, vendo entrar e sair novos passageiros, sempre a querer avançar e no entanto às voltas, sem nunca sair no próximo apeadeiro, sem olhar em volta, colecionando diferentes fotografias da mesma paisagem.
Falamos tanto de um vagar que perdemos, de uma vontade em desacelerar, da necessidade de desenvolver, crescer, transformar, mudar os hábitos, as obras, as vidas. E, terminada a conversa, num café, num telefonema, numa conferência, num parlamento, numa tese (ou numa carruagem em andamento),tornamos ao ritmo insano a que nos habituámos a viver, só para não correr o perigo de deixarmos os dias cair, felizes mas incertos, nalgum abismo por onde se percam (ou se possam encontrar, inesperadamente, com algo irreconhecivelmente belo).
Falamos muito, discutimos muito e queremos muito cumprir aquele desejo que ainda não temos e que, sabemos, devemos perseguir.Mas temos medo.
Pensamos pouco, apesar de perdermos muito tempo a achar que estamos afazer o que pensamos.
Falta-nos tempo, achamos.
Faltam-nos certezas. Falta-nos o apoio dos pares. Falta-nos saúde, idade, condições, instrumentos, o momento certo. Falta-nos entusiasmo (a vontade?).
Queremos, como tantos de nós o dizemos, abandonar um sistema que não nos preenche. Afastar-nos de um formato que não nos desafia, provocar a rotura com um modo de estar que não nos deixa ser.
Queremos e não o fazemos, tantas vezes.
Vamos ficando.
Na Rua das Gaivotas 6, temos pensado muito nisto:
E se somos mais um lugar que pode fazer o que quer fazer mas se deixa ficar?
E se, achando que somos diferentes, contribuímos para manter um sistema que imaginamos denunciar?
E se não estamos a fazer mais, ou a fazer menos porque não sabemos, de facto, fazê-lo de outra maneira?
Isso faz de nós quem? E o quê? Para quem?
Estas questões preocupam-nos.
E por isso nos atrevemos a mudar, a pouco e pouco, os nossos hábitos. E queremos fazê-lo à vista de toda a gente.
Para que a par e passo nos possam dizer, criticar, sugerir, apontar, acrescentar, enfim, acompanhar. Para que possamos colocar um travão no ritmo desenfreado da carruagem que dirigimos e tenhamos tempo para mudara direcção dos carris sem abalroar ninguém ou descarrilar.
Começaremos em outubro e novembro por ensaiar este outro ritmo. Convidámos artistas para ficarem mais tempo, para discutirem aprofundada e prolongadamente as suas obras, as suas metodologias, e a partilharem e a duvidarem na companhia de espectadores, especialistas, amantes, curiosos.
Durante estes dois meses apontaremos as armas aos nossos corações, certos de que almejamos respostas urgentes que não passem por alvejar ninguém.Caminharemos, devagarinho, pé ante pé, até, em conjunto, rascunhando uma forma de estar mais completa, mais razoável, mais holística, mais inclusiva, menos plausível, imediata, reconhecível.
Depois recolheremos de novo a um estado de hibernação, para mastigarmos o que aprendermos com esta viagem.
Voltaremos em março de 25.
Não sabemos ainda se com novas cores, se com uma porta nova, se com um guarda-roupa apimpado.
Mas regressaremos após a possibilidade da transformação. E repetiremos a operação: Ensaiaremos o futuro, esse lugar que teve sempre na arte a sua mais fiel aliada, a sua bússola, o seu colete de salvação.