por Diana V. Almeida
O CORPO E SUA MEDIDA
Reflexão poética sobre Sonho que não se pode quebrar e não se pode quebrar e não se…, de A. ves
Sendo o corpo confluência, carne e juízo, jogo prescrito, risco casa desejo aberto à carícia da mão que pinta a pele poro a poro, procuramos medida para nele habitar sem receio nem rancor. Assim se move o corpo pelo espaço, cruza o canal de água perpendicular perguntando seu lugar, enquanto calculamos seus contornos esgaçados na luminescência fosfórea.
Ontem acordei na floresta era verão, mas o frio corroía até ao osso, deitei-me no lago mais fundo, entre as serpentes sonhei.
Sendo o corpo retrato linha perspetiva, lição de anatomia, compósito de segmentos secções arranjo, objeto dissecado pelo “crítico consistente” que nele busca sinal de mestria, mais do que amor, procuramos rebentar tal medida. Por isso Yadwigh jaz de perfil, no decote do seu cabelo entrançado que esconde revela o bico dos seios, pedindo recorte para álbum de recordações, mais do que entrega.
Sob a malha translúcida (mal) seguro o gesto de Yadwigh, contra o foco de luz que me lança contra a parede contra o fundo do olhar do espetador que agora se ergue no tablado improvisado pelas leis do vírus.
Sendo o corpo dupla norma narrativa, ditado restrito no enredo possível, aberto somente à suspeita de tal senda por exclusão de tudo o resto que nos ensinam (mas realmente não se diz nem se percebe), procuramos ampliar tal medida brincando ao sonho. Dobra-se, então, a preceito do avesso o molde binário induzindo subtil movimento entre dois pontos que marcam no espaço-tempo projetado plural possível encarnação.
Eu deixo o lago e caminho para o lugar de ser visto, onde assumo a postura clássica do nu reclinado e escondo o sexo entre as pernas paralelas, estico o braço no gesto de Yadwigh com ela sonhando, entre as folhas ampliadas da floresta imaginada além de proporção possível.
Sendo o corpo conexo na perceção de um centro material e mais humano (menos animal vegetal mineral e demais categorias de exclusão intersetadas), mais racional (menos onírico intuitivo ou sujeito a qualquer desmando) e mais fechado (menos fluido e mágico), procuramos explorar outros domínios. E assim caminhamos pelo chão esticando nossas patas, rosnando, deixando cair o cuspo, rolando os olhos como nos marciais ensinamentos que nos transportam além de mais comezinho porte.
Eu vertical reta seta de fogo aéreo permaneço imóvel no limiar agora banhada pela luz crua da cidade à noite além das portadas e, de súbito, deixo-me rasgar pelas garras e desço os braços len-ta-mente, meu rosto um esgar de bicho mau.
Sendo o corpo rei e senhor (que não senhora nem rainha) de toda a extensão material que de um ponto se alcança até ao infinito, em forma de fazendas cercas construções e demais abrigos, edificados por testemunho da nossa urbanidade, buscamos rebentar fundações perguntar porque deixámos a floresta onde as árvores continuam a trocar ternos sussurros. Questionamos, pois, a prevalência do cimento sobre a terra cujo pó voltaremos a criar, e a competente velocidade dos corpos no embate contínuo sem desejo, reféns ciosos.
Água fogo terra e ar por onde navegam as palavras o eflúvio amoroso que perpassa os corpos fendidos em ritual de êxtase morte e confabulação.
Sendo o corpo plural, pela linhagem milenar que nas células assinala padrões ténues fios de sangue e memória, pela porosidade que na mente comunica frequências várias em dimensões simultâneas paralelas, reclamamos agenciamento diferido e/ou mais cultivada intuição para agir em liberdade plena a cada instante. As fronteiras da consciência sua arte seu processo permanecem constante mistério, por isso percebemos a potência da escuridão para revelar novas vias.
Os leões são espíritos da matéria transmudada e eu, na sua pele, ao encontro do vosso olhar, habito a selva mais densa.