HITCHCOCK BLONDES ⬤ Margarida Correia

HITCHCOCK BLONDES ⬤ Margarida Correia
Gaivotas Em Terra

por EDUARDO BATATA

 

Hitchcock blondes é um objecto performativo e teatral onde a Margarida Correia tem como ponto de partida o loiro presente em muitas das atrizes dos filmes de Alfred Hitchcock. Analisando a obra deste autor tendo atenção a este elemento, conseguimos perceber a constante presença do loiro ou da cabeleira loira nos seus filmes. O fascínio de Hitchcock por mulheres loiras e atrizes loiras é algo evidente, demonstrativo do seu fetiche não só estético como sexual. A proveniência deste fetiche é frequentemente questionada tal como o seu comportamento obsessivo com algumas atrizes.

 

Considero importante esta contextualização, porém o importante será a análise do objeto da Margarida e não as obsessões Hitchcockianas, apesar de ser um exercício difícil devido ao peso do realizador em questão, mas também do título escolhido. O título deste objeto condiciona-nos de forma imediata, remetendo-nos para o imaginário de Hitchcock, não só para a questão do loiro mas também para a estética utilizada nos seus filmes, nomeadamente o suspense.

 

Visto isto considero relevante analisar Hitchcock Blondes tendo em conta dois subtítulos, o suspense e o papel da mulher: O suspense presente neste espetáculo deriva da estética cinematográfica, com noção do ambiente que envolve as personagens intervenientes. São essas personagens interpretadas pela Margarida Correia e pela Anabela Ribeiro. Ainda em palco mas apenas como silhueta está José Valente, que toca ao vivo no espetáculo e foi responsável pela música do mesmo. A luz, a cenografia, a relação entre as duas atrizes, a frontalidade (posição frontal para com o espectador), a proximidade e afastamento da plateia, a noção de foco, close up e grande plano do cinema, dados em contexto teatral pela luz, todos estes fatores que referi contribuem para um ambiente desconfortável que reforçam ou nos transportam para o universo do suspense, onde a tensão sobre a acção é permanente.

 

Não é um objeto agradável e aprazível, mas sim um objeto de contemplação e também um objeto de interatividade não explicita. Por meio do desconforto o público é implicado na ação teatral, as mudanças bruscas de luminosidade, os gritos das intérpretes, a banda sonora, os momentos de silêncio prolongado, as posições estáticas, transportam o público para dentro do objeto, através de uma participação imposta de forma subtil ou de reações automáticas provocadas pelo desconforto auditivo ou lumínico. Estes desconfortos parecem-me surgir de forma pensada e consciente sublinhando que o público não assume uma posição passiva, mas sim uma contemplação-ativa.

 

A teatralidade deste objeto é evidente, seja na forma como o texto é dito, seja na expressividade e artificialidade das atrizes. As reações e expressões são exageradas como se tivessem uma câmara à sua frente. O texto assume uma dimensão interessante pois estando dentro dessa teatralidade não obedece a uma dimensão narrativa, pelo contrário, o texto tem referências a alguns filmes de Hitchcock mas, sem pretensões de elucidar o espectador daquilo que se trata, entramos neste espetáculo como se ele estivesse a meio e saímos como se não estivesse terminado. Este fator torna-o num objeto muito mais interessante, deslocando-o de uma narrativa monocromática e acentuando o suspense de que falo.

 

A cenografia estranha e estéril sublinha esse suspense, mas é a música do José Valente que coze todo este objeto. Através da música, Hitchcock Blondes, ganha profundidade, dimensão e assegura a interferência no espectador. É assim, através da música, que cinema e teatro ficam aqui unidos e que se consegue criar uma dimensão estética.

 

A meu ver o papel da mulher, presente neste espetáculo, é o ponto que levanta mais questões, pois não consigo ser imparcial relativamente ao ponto de vista de Hitchcock para com a mulher e a sua fetichização. Não considero que este facto retire valor à sua obra, porém considero que é um ponto a ser analisado e discutido. Hitchcock Blondes toca nesse tema, evidencia-o e provoca esta discussão. Em cena temos duas personagens, uma mulher e um jovem, ambas interpretadas por mulheres. A personagem mulher encontra-se maioritariamente em pé, a um canto do cenário e obedece muitas vezes às ordens deste jovem que assume uma posição mais dominante, sentado numa cadeira de baloiço, e dando ordens a esta mulher. As personagens não são totalmente lineares, mas apresenta-se aqui um jogo de dominância e submissão.

 

O papel da mulher, não só em Hitchcock mas também em Hitchcock Blondes levanta a seguinte questão: Qual é o papel que nós, enquanto espectadores, assumimos perante personagens que vêm de um sítio de fetiche ou estereótipo? Neste objeto artístico essa questão está presente por usar esses mesmos estereótipos da representação da mulher e o que é ser mulher, porém de uma forma em que cabe ao espectador tomar a sua própria posição. Enquanto espectador senti falta, ao ver Hitchcock Blondes, da visão da Margarida sobre este mesmo tema. Essa visão pode estar presente sim, de uma forma subtil e propositada mas, sendo um tema amplo e que a meu ver levanta muitos problemas, senti a falta de um posicionamento mais forte em relação à questão.

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