por TERESA VAZ
“Os artifícios que deixam de o ser no trabalho de Flávio Rodrigues”
O som como imagem profética de uma viagem que nos embala do início ao fim, saímos e ainda estamos no Nirvana. Mestre da poética do caminhar e da limpeza do que é pueril. O dispositivo cênico vai sendo ocupado por inúmeros objetos, mas nunca parecem que, de facto o estão a habitar. Ele, como bom fazedor que é, cria artefactos que têm o peso do ritual e a ligeireza do efémero. Estes objetos pairam no espaço, sem habitá-lo, e apenas lhe tocam, não lhe pertencem mas é como se fossem mais antigos que a nossa memória, tem um travo a arquétipo de morte, de violência e de nascimento.
A antítese está presente no trabalho do Flávio, num corpo que tem tanto de delicado, como de violento.
Na peça Efígie | princípio, presenteava-nos um corpo de morte, que ceifava vidas subtilmente. Um corpo que demarcava a passagem do tempo através de sons ora inaudíveis ora estrondosos. Matava constantemente uma identidade, primeiro do que nos torna comuns: um esqueleto, até chegar ao identificável, ao que é nomeado: o seu busto esculpido em gesso.
Queremos matar a identidade porque ela é um limite, que distingue e não unifica.
Homem, Animal, Flor…
Quase desejei fundir-me no breu e poder saborear cada paisagem sonora que me foi proposta, ter vontade de banir o som digital e acabar de vez com os poucos artifícios que utiliza.
Na peça Rúptil | na era dos castigos incorpóreos – que finda a trilogia – admirámos o ritual da criação e, nessa miragem, a violência do corpo é subtil, mas contém tensão. Estamos perante a sagração da obra, é uma ode ao nascimento, é o parto da pulsão da existência. O som suave, mas mantrico do sino faz-nos estar atentos a qualquer movimento, por mais leve ou pesado, ele é desenhado cautelosamente para que ninguém o deixe de avistar. Seguir intensamente a ação e no fim a contemplação do objeto, dos cinco objetos, como ele próprio o disse.
O fazedor gentil e violento que habita nestas peças, tal como um ourives, fabrica a sua artesania e ela vai ficando polida e preparada para ser perturbada pela presença do outro. E, ao mesmo tempo que se mantém fiel ao seu instinto, deixa-se mutar.