DEVEMOS SEMPRE PERDOAR OS COBARDES, MAS NUNCA SER COMO ELES ⬤ Tiago Vieira

DEVEMOS SEMPRE PERDOAR OS COBARDES, MAS NUNCA SER COMO ELES ⬤ Tiago Vieira
Gaivotas Em Terra

por DIANA NIEPCE

“Exterminados”

 

Devemos sempre perdoar os cobardes, mas nunca ser como eles.
Esta catarse sobre a morte inerente ao corpo é como aprender a morrer. Todos os dias matamos o corpo mais um bocadinho, e nem sempre dançamos a sua morte, porque às vezes a dança é só uma triste extensão das palavras que vêm das entranhas sob a forma de manifestos, como quem diz: Morreste-me. Porque é nestes dias entristecidos de pouca luz que eu mato mais um pedacinho de mim. Às vezes fecho os olhos, na esperança de matar a visão da morte, porque se eu a matar talvez ela nunca me encontre. Devemos sempre olhar a história deste corpo que se ausenta da sua própria identidade, aquele que não regressa da memória. Devemos sempre… olhar para a memória da história, essa memória escondida num nevoeiro de tristes mentiras, que nos faz perder entre as flores, o brilho, os abutres e o grito.

Por favor Tiago, diz-me como foi encontrar a morte. Diz-me como foi olhar para a segunda guerra mundial e saber que os nossos corpos fariam parte do extermínio da operação Aktion 4. Diz-me que isto seria só mais uma história de amor em que morríamos com as nossas mãos entrelaçadas, em que eu seria apenas mais uma Penélope.
Hitler escreve, “Aquele que não é física e mentalmente são e merecedor não pode perpetuar este infortúnio nos corpos de seus filhos”. Lembra-te Diana, devemos sempre perdoar os cobardes. Hitler implementa as “noções básicas de higiene racial” como golpes de misericórdia por a genética nos definir como uma vida indigna de ser vivida. Vamos matar os “inúteis, vamos matar os “diferentes”. Devemos sempre perdoar os cobardes?

Vamos dizer o nome dos mortos, grita o Tiago. Devemos sempre perdoar os cobardes…Não consigo deixar de ouvir o meu nome… Não consigo deixar de ouvir o teu nome, Tiago. Não consigo e gostava de conseguir remover a imagem do nosso próprio extermínio na segunda guerra. Devemos sempre perdoar os cobardes, mas até que ponto os perdoamos verdadeiramente. Apesar do Tiago gritar “Vamos dizer o nome dos mortos”, eu não consigo abster-me de ouvir o meu nome, mesmo sem ele o dizer. Eu não consigo ouvir os nomes, só ouço números. Centro de
eutanásia de Grafeneck extermina 9839 pessoas. Centro de eutanásia de
Bradenburg extermina 9772 pessoas. Centro de eutanásia de Benburg extermina 8601 pessoas. Centro de eutanásia de Hartheim extermina 18269 pessoas. Centro de eutanásia de Sonnenstein extermina 13720 pessoas. Centro de eutanásia de Hadamar extermina 10072 pessoas. Mata-me porque eu sou indigna de viver (Vamos limpar os sujos porque comem excrementos pela boca). Esta exaustão do meu coração, por estar sempre a repetir, por estar sempre a errar, por estar sempre a perdoar, a perdoar-me…. Morro todos os dias um bocadinho, porque alguém disse que eu sou indigna de viver. Morro porque tenho de ser feliz. E todos os dias que vivo pequenos momentos de felicidade, morro mais um bocadinho dentro dos muitos momentos de violência.

Senti-me por vezes parte do universo de cocaína e manifestos do Tiago, numa sintonia diferente de todos os outros, com muitos palhaços à volta, e poucos momentos de lucidez. Como nesta sala onde me convidam a sentar e a assistir ao enterro de certas pessoas, como diz o Tiago. Eu prefiro dizer que um dia os dinossauros são extintos, e com isto só temos de esperar. Porque sentada nesta sala há um buraco que me faz cair numa viagem veloz de delírio entre as G6 e Berlim, em que eu só estou à espera que se comam e que eu seja comida por eles. Nesta sala de ausência de amor, de masturbações e citações para uma elite artística, em que somos todos filhos da puta, onde os abutres esventram a carne, e o ruído deste discurso contemporâneo me ensurdece, assim como o Tiago, eu não sou uma vítima, eu sou um monstro, e como no dia em que terminei uma relação em Auschwitz, só estou à espera de morrer lentamente de amor.

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