Gaivotas Symposium
Gaivotas Symposium ~ um festival transdisciplinar que inicia uma nova temporada na Rua das Gaivotas 6.
Na Grécia antiga, a palavra “simpósio” era usada para definir convívios festivos, com música e conversas – verdadeiros encontros sociais que permitiam a livre troca de ideias. Partindo deste mote, o Gaivotas Symposium é um programa que consiste na criação de novas ligações através de uma celebração onde a empatia e a colaboração são essenciais. Durante quatro dias, convidamos artistas e público a imergir em novas formas de criar comunidade, através de práticas e ecologias contemporâneas, onde a ficção é usada como ferramenta para imaginar convívios mais plurais. O convite alargado a uma rede de artistas e coletivos tem por objectivo definir o tom para o futuro da Rua das Gaivotas 6, propondo-nos a percepcionar este espaço artístico a partir de novos ângulos. Com um programa híbrido que cruza cosmologias alimentares, som, instalação, performance e desenho, este simpósio convida à exploração de novos ambientes e a olhar para este espaço enquanto um novo horizonte de possibilidades.
4 JAN
— Instalação por Joy Food + performance sonora de A lake by the mõõn
— 20h
— Entrada livre
“Embrionar” é a primeira proposta do Gaivotas Symposium e vem dar início a uma reflexão que visa reconceptualizar o mundo através da alimentação. Este projeto inaugura um laboratório de colaborações mais alargado na Rua das Gaivotas 6 que, em 2023, pretende contribuir para um lugar de encontro e co-criação (à volta da mesa) com o objetivo de dialogar sobre a comida e a cozinha como elementos inerentes à cultura humana e, consequentemente, como matéria para o processo de consciencialização ambiental.
Em colaboração com A lake by the mõõn, Alice Artur e Joana Trindade Bento, exploram, na Rua das Gaivotas 6, solos férteis na forma de um acto sónico e performativo, propondo uma reflexão sensorial sobre processos de cultivo e de consumo. O som acompanha a instalação/performance/numa cartografia sónica, ampliando as ações para além do domínio visual e gustativo.
“Embrionar”
por Joy Food Experiences
(Alice Artur e Joana Trindade Bento)
No Outono, depois da grande abundância da terra, os frutos podres que caem no chão juntam-se às folhas estrangeiras e ao resto do húmus terrestre. O calor da fermentação de todas estas mortes compõe solo fértil para a embrionagem de nova vida e a incubação das sementes. Todos os começos precisam de condições de fertilidade – as Gaivotas não são excepção. Quantos lastros de intervenções antigas permeiam um espaço para que este tenha alma e morte fértil suficiente para gerar? Quantos lugares temos de habitar e despedir até que a tensão morte/vida faça brotar coisa?
Há duas salas. Na primeira exorcizamos com plantas de cheiro da época, num incenso pisado, aquilo de que desejamos/precisamos purgar. Na segunda sala, depois de passar pela purificação da primeira, crostas terrestres que envolvem tubérculos. No seu útero de calor alteram a sua composição e tornam-nos assimiláveis para nós, corpos humanos com milhares de anos. Quebra-se a crosta, como se desenterraram os alimentos cozinhados debaixo do fogo nos primeiros gestos humanos de cozinhar. É no lastro deste movimento milenar que queremos fazer nascer novas miragens.
Estudaram Artes Plásticas nas Caldas da Rainha e utilizam sobretudo a comida e as artes visuais para pensar e criar – em percursos ecléticos guiados pela vontade contínua de conectar pessoas e ideias. Criam e produzem para a JOY food experiences – que trabalha projectos multidisciplinares em várias áreas, tais como a literacia alimentar ou a consultoria para experiências gastronómicas. Numa pesquisa contínua sobre movimentos sociais, o futuro da alimentação, design alimentar, metodologias participativas, sistemas alimentares e educativos, agricultura, nutrição, produtores e artesãos, a antropologia alimentar e a dimensão emocional da comida têm-se revelado como o seu maior foco de interesse para pensar caminhos exploratórios actuais.
A lake by the mõõn
Em manifesto contra narrativas fatalistas e tech otimistas, Duarte Eduardo (n. 1997, Caldas da Rainha) cria novos habitats sonoros para acender chamas de mudança no público. Nas suas peças, usa gravações de campo cruas e ultra processadas que conspiram entre si para refletir sobre temáticas ecológicas. Desde 2020, o artista e ativista Caldense participou em residências em Budapeste no Spatial Sound Institute e em Odemira com a 4DSOUND. Lançou o disco “Life in Warp” com o projeto a solo “A lake by the mõõn” onde todos os sons presentes foram criados a partir de sons de animais em vias de extinção. Foi baixista e produtor do álbum de estreia de “bbb hairdryer”. Compôs a banda sonora para a curta “Lá, onde achei que estaria para sempre”, e sonorizou várias performances. Foi facilitador da oficina de artivismo no Permalab – FCUL com o coletivo XR Lisboa.”
5 JAN
— Inauguração da exposição ‘Dell’historia Naturale’ — 18h
— Concerto Cire Ndiaye + João Valinho — 19h
— Entrada livre para a exposição | concerto: 7€ / 10€ / 12€
“Dell’historia Naturalle” é a primeira exposição que invade a Sala Rosa na Rua das Gaivotas 6, com uma proposta de Léna King-Lewis, que reflete sobre o corpo feminino enquanto interface conceptual, visual, histórica, ecológica e metafísica. Observamos o desenho como uma prática material, abordagem teatral e imagem em movimento, através da sua visão feminista de desobstrução de estruturas patriarcais de controlo.
No dia 5 de janeiro às 19h, Cire Ndiaye e João Valinho são desafiados a dialogar com a exposição de Léna Lewis-King, propondo uma exploração sonora em torno do corpo e da máquina.
“Dell’historia naturale”
por Léna Lewis-King
‘Dell’historia Naturale’ (da história natural) é a primeira exposição individual de Léna Lewis-King em Lisboa, artista multimédia baseada entre a capital e Roma, onde será possível contactar com três projetos de sua autoria: ‘Figura 1‘, ‘Os Reis de Cobre‘ e ‘O Pavilhão do Leite‘. Inspirada na talha de Ferrante Imperat de ‘Dell’Historia Naturale‘, datada de 1599, a exposição representa o culminar da investigação de Lewis-King a partir da sua residência nos Projectos CASTRO em Roma, onde a artista começou a investigar o espírito protocientífico por detrás do desenvolvimento dos chamados ‘Gabinetes de Curiosidades‘ (coleções pessoais que combinavam práticas coloniais, extrativas, científicas, curatoriais e educacionais). O trabalho de Lewis-King revisita e desconstrói material histórico a partir de uma perspetiva feminista, e, considerando ainda a apresentação da sua investigação no espaço expositivo, constrói variadas camadas de reflexão crítica sobre as nossas relações culturais com a ciência, medicina, trabalho, produção, estética, ontologia e o corpo sensorial.
Léna Lewis-King é uma artista multimédia baseada entre Lisboa e Roma. Enquadrando a sua perspectiva a partir de um ponto de vista feminista, explora o cinema como um meio expandido que testemunha tanto as transformações mágicas quotidianas emergentes entre a natureza, a tecnologia, os espaços psíquicos e espirituais, bem como o impacto que a aceleração tecno-capitalista tem sobre as experiências vividas. O trabalho de Léna tem sido exibido no Lisbon Art Weekend (Lisboa), La Galleria Nazionale (Roma), Journeys Festival International (Leicester), The Wrong Biennale, The Armoury Show, (Nova Iorque), Playback Tour (Across UK Venues), The ICA, (Londres), SPACE Studios (Londres), Fitzrovia Gallery (Londres). Expôs no Festival de Curtas-Metragens de Londres, FUSO Video Art no MAAT Museu, Lumiar Cité, The Roundhouse, BFI, Chisenhale Gallery e Google Arts and Culture. Foi galardoada com a bolsa CASTRO Emergent fellowship, Roundhouse film fund, Random Acts film fund.
Cire Ndiaye + João Valinho
Cire Ndiaye (violino e/ou voz/palavra) e João Valinho (bateria) apresentam uma proposta musical que entra em diálogo com a exposição numa exploração sonora em torno do corpo e da máquina. Pela primeira vez podemos ouvir este duo de forma mais crua e despida convidando o público a um concerto intimista.
Cire Ndiaye (1999-) violinista de formação clássica, atriz, performer, criadora, cantora e compositora. Estrela n’As Docinhas. Tocou desde cedo em orquestras como Aproarte, JOP, OCP e JONDE onde tocou na Alemanha (Konzerthaus de Berlim e Kassel), na Roménia (Romanium Atheneum em Bucarest e Sinaia), na Espanha (RiojaForum em Logroño) entre outros. Em Portugal já percorreu as grandes salas de espetáculos como a Casa da música, CCB, Rivoli, Queima de Coimbra, Teatro D.Maria II e Culturgest entre outros onde se têm dado a conhecer pelo mundo do teatro com peças como ”Carta” de Mónica Calle (apresentada no Teatro D.Maria II em Lisboa, na Espanha e na Bélgica), ”Another Rose” de Sofia Santos Silva (peça que ganhou Amélia Rey Colaço no ano 2021/22), e com Sónia Baptista na peça Wow. Fora a sua participação em música antiga em estágios com Mário Braña (violinista Barroco) e Pedro Silva, cursos de contraponto improvisado com Isaac Alonso de Molina, (professor do conservatório de Haia), ou masterclasses de música de câmara com Olga Prats e Alejandro Oliva, participou também de uma masterclasse de improvisação livre com Brandon Lopez (contrabaixista Nova Iorquino). Atualmente está a tirar uma formação para ‘’Técnicos de Serviços Funerários’’.
João Valinho, músico e artista visual português oriundo dos subúrbios de Sintra. Em 2017, após conclusão dos estudos em Belas-Artes, inicia um percurso na música, procurando conceber e executá-la nas suas práticas contemporâneas e experimentais, com actividade no fulgurante panorama de música improvisada lisboeta, do freejazz à música near-silence, assim como em abordagens interdisciplinares com dança e teatro. Activo mais recentemente com os seguintes projectos: MOVE, Fashion Eternal, Rodrigo Amado Refraction Quartet, Rodrigo Brandão Outros Espaço, Spectrum Awareness, No Nation Trio e Anthropic Neglect e Voltaic Trio.
6 JAN
— Ciclo de performances “Algumas Certezas de Inverno”
— Abertura de porta às 18h
— 7€ / 10€ / 12€
No dia 6 de Janeiro recebemos “Algumas Certezas de Inverno”, um projeto que convida dois coletivos de artistas transdisciplinares para um intercâmbio de práticas e experimentações colaborativas, que contribuem para um momento de partilha comum na Rua das Gaivotas 6. A ocupação artística destes dois coletivos propõe um objeto performativa que incentiva à circulação pelos vários recantos do nosso espaço. A partir das 18h, poderemos encontrar vários exercícios do coletivo BRUMA em diálogo com explorações sonoras de Favela Discos. Julián Pacomio trabalhará o fogo enquanto matéria com agência própria, Márcia Lança abre um espaço de intimidade radical para a partilha de experiências sobre o corpo feminino e Andrei Bessa abre as portas das Gaivotas, de modo literal, enquanto ato de inclusão e democratização. Já David Ole e Xavier Paes trarão ao espaço performances sonoras duracionais que se articularão com as restantes propostas artísticas.
Coletivo BRUMA
Por exemplo:
saber que há que chegar aos sítios de noite, saber que há que ir embora dos sítios de noite
por exemplo:
saber que há que olhar de perto as coisas, muito muito muito perto, tão tão tão de perto que deixe de existir a palavra “perto”
por exemplo:
saber que há que apagar a luz, há que apagar a luz sempre, bb, demasiada energia, demasiada, há que aprender a ver na escuridão, há que ser a própria escuridão, bb, tu e eu, sim, as duas, as duas seremos a escuridão e não a luz, que se foda a luz! Há que apagar a luz, tu e eu seremos uma luz escura, uma luz nova, uma luz que não ilumine, uma luz que fala e que conversa, uma luz escura onde se encontram mulheres que falam de buracos, dos seus buracos, dos nossos buracos
por exemplo:
saber que não se pode queimar uma ilha já queimada
por exemplo:
saber que este ano toda a gente teve um pequeno incêndio na sua cabeça, sim, tu também, bb, tu também o tiveste, bb, um pequenino incêndio, não há problema, as coisas queimam-se e esfumam-se, as cabeças queimam-se, as mentes ardem, não há problema, também a tua, também a minha, aparecerão outras, aparecerão cabeças, bb, melhores, sempre sempre melhores, muitas mais, mais cabeças, mais verdes, mais húmidas, mais frondosas e mais vivas
por exemplo:
saber que não necessitarás chaves para chegar a casa e para entrar em casa, as portas abrir-se-ão ao teu passo, abrir-se-ão as portas ao teu passo, toda a gente abrirá as portas para que entres e para que saias, o céu é teu, não necessitarás portas nunca mais, não necessitarás nenhuma chave, poderás passar até onde quiseres, até ao fundo, até onde necessites, tudo será teu, o espaço será teu, bb, seremos todes teus
Andrei Bessa, Márcia Lança e Julián Pacomio (coletivo BRUMA do espaço PISCINA)
BRUMA é um coletivo de artistas, vindes de diferentes contextos radicades em Lisboa, com um trabalho centrado nas artes performativas. Somos criadores, performers, desenhadores e curadores na área das artes vivas. Temos, de uma maneira ou outra, uma relação estreita com o Espaço da Penha, que habitamos há alguns anos e onde realizámos apresentações dos nossos trabalhos, assistimos às de outres companheires de ofício, participámos nos programas de formação como alunes e somos formadores, realizámos residências de criação e trabalhámos em projectos que se têm desenvolvido nestas salas com diferentes coreógrafes. A PISCINA é o espaço de trabalho do coletivo BRUMA, para dar continuidade aos projectos que já realizamos entre nós, mas também aos que desenvolvemos individualmente, entre espetáculos, performances ou contextos de formação/orientação/mediação. A BRUMA da PISCINA é formada atualmente por: Adaline Anobile, Andrei Bessa, Bruno Brandolino, Carolina Campos, Bibi Dória, Márcia Lança, Julián Pacomio, Daniel Pizamiglio, Letícia Skrycky e Romain Beltrão Teule – artistas do Brasil, Espanha, França, Portugal, Suíça e Uruguai.
Xavier Paes (Favela Discos)
As minhas articulações pareciam ter parado. Sem respirar. De olhos fechados, conseguia ver o brilho quente da lareira. O fogo estalava e brilhava em mil bocados. As chamas lambiam os troncos. Os toros incandesciam. O fumo subia em espiral. Os meus pulmões enchiam-se de fumo. Conseguia sentir o calor, conseguia cheirar o fumo, conseguia ouvir o vento. Era um vento sem vento. Sem vento nenhum. Conseguia ouvir o som das portas a abrir. As portas a bater. Conseguia ouvir as respirações. Estavam a falar mas o som não entrava pelos meus ouvidos. O meu fôlego saía da minha boca e eu engasgava-me nele. Apneia. A sala mexia-se. Eu respirava. Os meus pulmões respiravam. Os meus dedos estavam molhados. Estavam molhados no inverno, estavam molhados no verão. Os meus pés estavam frios, as minhas pernas estavam frias, as minhas mãos estavam frias. Sentia um pouco de calor nas costas. Sentia frio em todo o lado. O calor entrava-me no coração. Conseguia respirar. Estava a respirar mas a minha garganta ainda assim não estava aberta.
Xavier Paes é artista transdisciplinar, opera nos limites entre som, performance e as artes visuais. Explora o seu redor através de ideias como corpos ressonantes, repetição, dissonância, ambiente e frequências simpatéticas, interessa-se pelos limites entre questões como eco e ecologia, feedback, activismo, respigadorismo, fenómenos acústicos e imagéticos em relação com questões urbanísticas e sociais. Tendo passado por instituições, galerias, festivais, quiosques, raves e after-parties, salientam-se em Portugal espaços como Fundação de Serralves, Galeria Municipal do Porto, Centro de Arte Oliva, Ponto d’Orvalho, e lá fora, Villa Arson (Nice), Stichting Centrum (Haia), OCCII (Amesterdão), L’international (Paris), STUK (Lovaina) e Overtoon (Bruxelas).
David Ole (Favela Discos)
Neste alvorecer de um novo milénio, vivemos numa sociedade, onde a ciência e a técnica atingiram níveis nunca sonhados há 100 anos atrás. No entanto, apesar dos progressos gigantescos na área do conhecimento, continuamos rodeados de estranhos fenómenos e acontecimentos insólitos para os quais não se encontra na maioria dos casos qualquer explicação satisfatória. No mundo dos factos ditos insólitos existe um conjunto de fenómenos devidos a faculdades que todos possuímos, mas que alguns de nós apresentam bastante desenvolvidas. Estão neste grupo, fenómenos de telepatia, clarividência, telecinésia, ectoplasmia, premonição e outros. Possuindo uma vasta cultura musical nesta área, David Ole desde cedo cultivou um estilo inconfundível, quer nos efeitos que executa – alguns de sua autoria – quer na forma peculiar como os apresenta.
David Ole é um músico e artífice português. Iniciado nos mistérios musicais em 1997, partilha a sua arte em palco desde 2009, transfigurando matéria, energia e inteligência em composições e performances ao vivo com saxofone, percussão, softwares personalizados e um conjunto de hiperinstrumentos.
É membro fundador do colectivo Favela Discos, faz parte das bandas Bezbog, Judas Triste, MotoRotos, Milteto e José Pinhal Post Mortem Experience, e colaborou com os colectivos Oficina Arara e Cantigas do Poço.
7 JAN
— 21h30 — performance ‘Último Dia de Leão” de N△N▽
— 22h30 — festa de encerramento: Voraz + Bee VJ
— 7€ / 10€ / 12€
Terminamos as celebrações do novo ano e do Gaivotas Symposium com o corpo e com um olhar para o futuro. No dia 7 de janeiro, entre as 21h30 e as 01h a curadoria é da artista e criadora N△N▽. Recebemos a sua performance “Último Dia De Leão” que culmina num DJ set partilhado com o coletivo e plataforma queer Voraz, numa exploração e desejo de mudança face às condições que es performers encontraram quando chegaram a Lisboa. O trabalho da plataforma Voraz, de Bee e N△N▽ opera como se se tratasse do forçar de uma janela de possibilidades — um vislumbre luminoso de futuros queers diaspóricos plurais.