Colectivo Casa Amarela
Jejum #14 – BLU·BLAU·BLEU·AZUL
Cine-concerto BLU·BLAU·BLEU·AZUL, por Benjamim Gomes e ∩
O Colectivo Casa Amarela (CCA) e a Rua das Gaivotas 6 iniciaram uma parceria em 2020 que propunha uma ocupação curatorial de música, cuja periodicidade seria mensal. A fórmula é simples: um sábado ao mês, o CCA dá a conhecer umx artista sonoro e os seus mais recentes trabalhos.
O foco é apresentar o melhor do que se produz e do que se ouve no panorama da música electrónica e arte sonora, abrindo espaço para a disseminação do tecido experimental português na área da música.
Os concertos em JEJUM já promoveram estreias, colaborações inusitadas, twists inesperados, e actuações duplas.
No palco principal da Rua das Gaivotas 6 abre-se o apetite e deixa-se ouvintes famintxs.
Sempre aos sábados, ao final do dia. Pela hora da fome. De preferência em jejum.
Colectivo Casa Amarela convida
BLUBLAUBLEUAZUL
(cine-concerto)
À excepção dos fenómenos de sinestesia, condição neurológica que, entre outros sintomas, leva à associação entre cor e som; da existência dos chamados ruído branco, rosa, azul; da existência do estilo musical Blues ou mesmo a escala cromática, a linguagem musical, apesar de poder suscitar emoção, pensamento, crítica e reflexão, trata-se de uma expressão abstracta. Tal como a dança, apesar de ter uma linguagem, não sendo figurativa, é a narrativa que lhe atribui o tema e que auxilia a interpretação do movimento.
Como tal, a sonorização de um filme cuja narrativa se fragmenta, entrecruza e cita directa ou indirectamente outros autores, deverá, na sua composição e performance, demolir e fragmentar para depois fazer uma anastilose de uma escultura sonora pigmentada a azul.
Tal como a atribuição do que cada cor representa para determinada sociedade se altera consoante a cultura em que se insere, não se pretende uma associação directa a determinado tipo de simbolismo ou emoção à cor azul. Esta será tão volátil como a sua valoração ao longo da História da Humanidade. Volátil como a reacção a uma mancha azul de Yves Klein.
Recorrendo-se à matéria sonora do ruído, da repetição e da diluição das estruturas compositivas, pretende-se que esta se materialize e se desintegre em diálogo com as características intrínsecas da película VHS, usada no filme. A instabilidade, a estática, o grão, ou mesmo os artefactos deixados por gravações anteriores. Desta feita, pretende-se dar a ouvir o azul, o que quer que isso seja para cada espectador.
Visões de décadas passadas assombram-no. O seu único olho, centrado na sua cabeça, roda esquizofrenicamente sem saber o que focar. Ligado ao passado e ao futuro pelo mesmo cabo a informação transborda e metamorfoseia-se em algo intemporal. Surgem fragmentos, cores, imagens, violência, prazer. O sistema é levado ao seu limite, contagem decrescente para o meltdown. As frequências cruzam-se, somam-se, subtraem-se. O subssistema de tradução RGB começa a focar num único espectro, um espasmo final eletrónico para prevenir a autodestruição. 666 THz. Inicia-se o programa de comparação espectral de cores para determinar o sinal. Azul. O olho, agora transfixo num centro, procura padrões no caleidoscópio que lhe surge à frente. Uma mão, um pé, restos da sua antiga humanidade. Terá o sistema sido levado à paranoia? Cada vez mais o passado infecta a percepção do presente. A tensão entre linhas temporais aumenta, começam a surgir distorções. Perde-se a nitidez, começa a surgir ruído. Num rápido crescendo temos só o caos a transmitir o seu sinal a 200Db, ecos do desespero. Como um buraco negro, a imagem suga-se a si mesma e implode. Finalmente o silêncio. Aniquilação do sistema completa.
O Colectivo Casa Amarela (CCA) começou em 2014 como um colectivo a quatro – Bruno, Mafalda, Nelson e Rui. Restam apenas os dois primeiros. A Mafalda Melim trata de toda a vertente visual, o Bruno Pereira programa uns concertos e lança uns discos – alguns são dele, outros são colaborações escolhidas a dedo. Micro-editora e promotora com um foco especial em música electrónica experimental.