por LEONOR LOPES
Dançar sem vergonha. Dançar na música. Dançar na cozinha. Dançar truques. Dançar Lena d’Água. Dançar na cama.
Encontro-me em modo peeping tom, a espreitar entre estores. Não sabemos se estamos no sítio certo, se nos sentamos ou se nos encostamos. De onde estou, reconheço três imagens de espaços diferentes, facilmente decifrados. De um lado, um estúdio; à minha frente, um quarto – uma cama, um monitor, uma cadeira e uma planta; de outro lado, uma disco e o dj set. Capto uma discreta cumplicidade entre os membros do público. Alternamos entre sentirmo-nos parte do espaço e sermos intrusos na casa de outra pessoa. Com subtileza, torna-se clara a situação e o plano em que deve estar a nossa atenção. Escolhemos segui-lo ou ignorá-lo. O movimento do corpo parece ser obediente a cada espaço, e as divisões obedecem às suas delimitações. David trata-nos como se não ali estivéssemos, enquanto mantém uma clara consciência da nossa disposição. Passa pela pista disco um rodopiar atordoante. O vocabulário de movimento é, desde o início, tão abstrato como mimético. Há uma linguagem específica que se vai criando e recriando, e na qual tão facilmente encontramos referências como somos largados na ambiguidade. Quando o corpo é deixado às sensações, não exige filtragem referencial ou preferências formalizadas. Somos ensaiados ao assistir a um ensaio sem sabermos que este o era. O (re)posicionamento do público vai formando molduras vivas. Sobem as fronteiras, o espaço transforma-se em palco de tempo presente. Saltos hirtos navegam pela sala até se chegar ao encontro de alguém. Um possível desconforto deve-se a termos sido reconhecidos. Na última imagem que nos é oferecida, braços dançantes e espaço pronto a ser ocupado.