2 É ÍMPAR ⬤ Dally Schwarz & Marcos Aganju

2 É ÍMPAR ⬤ Dally Schwarz & Marcos Aganju
Gaivotas Em Terra

por SILVANA IVALDI

 

Sobre dois tripés jazem, em máscaras de papel sobre balões, duas das carinhas mais controversas da política atual, Bolsonaro e Trump. Entra em cena uma figura com o seu pink bob, óculos de sol e luvas de borracha. Decidida, mantém a sua identidade anónima por entre a multidão ausente, saca de um balão que enche até ser possível identificar a figura de um smile nervoso e após o limite da tensão ser atingida esvazia-o, lentamente, produzindo guinchos indecifráveis entre os indicadores e os polegares até soltar o finado flácido. Prenúncio de morte: um pink isqueiro de cozinha em riste e uma breve hesitação do quem mato primeiro. Escusado será dizer que ambas as cabeças explodiram. Morreram e junto com eles o anonimato. Ela deita fora os adereços e exorciza-se ao som de vários tiros. Penso agora, e graças às referências oferecidas ao longo da performance, que um momento Tarantino ou uma arruda poderiam ter-me dado alguma esperança no porvir.

 

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Em off uma voz fala sobre temáticas colonialistas, crianças, futuro. Um homem e uma mulher ocupam o espaço com o rosto iluminado pelos respectivos telemóveis e tentam a todo o custo não se encontrar; em off o impeachment da Dilma; no fundo, projetadas, possibilidades de matches tinderianos.

Ouve-se: Voto NÃO.

Vê-se: It´s a Match!

Estas duas pessoas começam uma conversa – projectada – através dos ditos dispositivos. Visivelmente falseada: SIM. Propositadamente falseada: NÃO SEI. Gaps imensos e um flirt que bloqueia nos lugares mais absurdos. Por um momento prendem a minha atenção, uma posição contra-poder através de uma tentativa falhada de tentar dramatizar a réstia de uma intimidade que não existe. Dou por mim a complexificar uma operação básica que foi agraciada pelo poder das adversidades de ordem técnica. Eis que ela viola a regra do jogo, sussurra-lhe algo, denuncia o imprevisto e sai de cena. Pena.

Valha-me o momento em que dá o tilt ao PC e que ficamos com dois logos de Tinder simetricamente colocados na parede do fundo, tal qual dois mamilos arrepiados.

 

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Ele veste uma sweat com o Vincent Vega e o Jules Winnfield de pistolas empunhadas numa máquina arcade e um kilt, agarra numa guitarra e re-entra em cena mascarado, com cruzes iluminadas sobre a boca e sobre os olhos, às vezes piscam, às vezes piscam mais depressa, há feedback, há ir e vir, há batidas fortes e ritmadas com o pé. A cegueira e a mudez piscam para nós e depois põe as mãos nas costas, apaga-se e sai de cena…

 

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Num espasmo de verdade ele grita: ‘Morram racistas!’. Em cena, simetricamente sentados olham o que nós olhamos – um discurso de frases soltas – num marasmo interrompido por um breve e naïve flirt de sombras chinesas que me desconcerta e desconcentra.

Escrevo todas as palavras projectadas. ‘Tudo apenas surge’ num enigma entre apatia e apologia à violência que procuro resolver. Nesta proposta, que me parece querer aproximar-se de um manifesto, vejo lugares-comuns numa sequência de operações básicas sobre uma analogia imediata. Um grito de revolta num copo quase cheio. Diante disto só me preocupa uma coisa: a postura esquiva relativamente à autoridade e à autoralidade sobre o objecto.

Não reconheço uma preocupação com a tradução formal, estética ou poética, vejo um protesto entre quatro baias.

Gritar no teatro é diferente de gritar na rua que é diferente de gritar na almofada que é diferente de gritar na manifestação que é diferente de gritar para se salvar. Reconheces um inimigo. MATA. E agora?

 

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Centram um tampo sobre dois cavaletes – uma mesa, portanto. E uma ode à simetria. Iniciam uma conversa regrada por uma sequência de palavras soltas, projectadas, que ditam a configuração da conversa. Finalmente consigo ler a impressão que ela tem na sweat: REAL LIFE IS SOMETHING ELSE. Yes, it is. And you are in real life, right now? This is real life? More caô, please.

 

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Teme-se perder a identidade por uma causa comum? Na minha cabeça ecoa desesperadamente

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mas não consigo perceber se o grito é de salvação ou abandono.

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